Para quem chega, pelo sul, vindo dos países desse mesmo sul, é a surpresa. Junto aos Alpes, a neve continua a cair. Para quem vive do Sol e para o Sol, para quem cultiva o bronzeado e a claridade dos longos dias, rende-se ao frio e à beleza de um nevão só comparável aos postais de Natal. Em Abril, ainda neva na Alemanha.
O frio de um longo e rigoroso Inverno propicia a criatividade, a meditação e o recolhimento. Por estas paragens, a produtividade não é um problema e o futuro é uma realidade. Em Abril, a Alemanha constrói futuro. A Alemanha cria e inova.
Em Abril, e nos meses anteriores, a cidade prepara o Verão. Aguarda impaciente pelos dias de Sol e de calor. Espera poder voltar à rua e retomar as suas actividades ao ar livre. Curiosamente, sem ter um clima que facilite as actividades no exterior, os espaços destinados à cultura fora de portas são mantidos e acarinhados pelo Estado. Mesmo se falarmos de cultura urbana ou sub-urbana. Uma sociedade evoluída culturalmente é uma sociedade dinâmica e não passiva. É uma sociedade com os olhos postos no amanhã.
A Alemanha não se resignou. Não aceitou ficar presa aos acontecimentos trágicos do passado. Assistiu à queda do Muro e reunificou-se. Berlim terá sido certamente a cidade mais sacrificada de todo o século XX. Ficou totalmente destruída. Foi governada por potências estrangeiras inimigas. Foi dividida. Foi símbolo de vergonha e intolerância. Em seu nome cometeram-se as maiores atrocidades da história da Humanidade. Reunificou-se.
Vive com as memórias do passado. Não as destruiu nem as ignora. Pelo contrário, tenta mantê-las sempre presentes. Sem complexos. Um povo que cultiva a ocultação da História e procura fazer esquecer o seu passado é um povo sem alma, um povo à deriva. Na noite de 9 de Novembro de 1989, o Muro caiu, foi Abril na Alemanha de Leste. Liberdade. Progresso. Futuro. Sararam-se as feridas. Assumiu-se a vergonha. Olhou-se para o futuro. A Alemanha não ficou constantemente a chorar o passado. Olha-o com respeito e como lição de vida. Nos ditos países do Sul e do Sol, de Abril e de cravos, o passado ainda é fantasma. Continuamos presos a ele.
É preciso olhar para ele. Com respeito e com esperança. É preciso olhar para a frente. Crescer. Sem destruir. Sem ocultar. Como na Alemanha, como em Berlim, em Abril de 2006 constrói-se futuro. Mesmo com a presença constante dos símbolos de um passado opressor e castrador.
Paulo Ribeiro