29 de jul. de 2006

Desertos e Desertificação

O Pantanal é a maior área alagada do mundo.
De um lado o desmatamento desmedido e criminoso e do outro, a invasão do plantio da soja e o mau uso das reservas naturais...






Desertos e Desertificação

O tempo mede-se pela capacidade de transformação da matéria. Se nada acontece paramos no tempo, se tudo se transforma, aceleramo-lo.
Década após década que a água da chuva vai talhando as veias que alimentam a Terra, e fá-lo, há milhares de anos.
Por centenas de anos que as árvores vão coleccionando aneis, e fazem-no, há milhões de anos.
O meio natural criou, ao longo da história do planeta, um fantástico romance que intitulou de Equilíbrio.
Cabe-nos gerir o tempo e a velocidade com que ele avança, cientes que, quanto mais rápido este decorrer, mais perto estaremos do fim de um ciclo ou do fim de uma grande unidade natural de tempo.
Cada ciclo termina quando outro se começa a instalar, e não será forçoso que o ciclo subsequente seja de prosperidade.
Quando ano após ano se dizimam milhões de coleccionadoras de aneis que modernamente poderíamos chamar de Senhoras dos Aneis, as veias ressentem-se e começam a secar ou então a transbordar como se de uma hemorrogia se tratasse. Aí, o solo fende-se ou encharca-se.
De um solo retalhado não sai alimento, nem água, nem vida nem tão pouco argumentos para uma nova economia. Um solo ressequido é, contraditóriamente, um pedaço congelado de tempo, porque não há nada para transformar.
A fome e a desertificação assinalarão para todo o sempre, num dado lugar, o fim do império das coleccionadoras de aneis.
Que desolador se poderá tornar golopar na crista das dunas de areia, e subjugar, como se de uma nova cruzada se tratasse, terras de leite e mel! Nessa cavalgada é impossível voltar atrás, mas é sempre possível parar, num dado momento, num dado local.
O tempo encarregar-se-á de eliminar, com as mesmas armas com que se amedrontam as coleccionadoras de aneis: os dizimadores de florestas, os intoxicadores de substratos e os incineradores de circos de vida. Os lucros e o respeito pelos constructores de macro e micro-economias, que tem por base ciclos de morte, serão efémeros, mas o holocausto que daí pode resultar não distinguirá nem raça nem credo, nem local nem classe social, e ficará registado, na imensa vulnerabilidade dos seres e das espécies.
Os desertos avançam nos cavalos alados da irresponsabilidade individual, social e planetária, empunhando ostensivamente a arma da desertificação, qual divindade formada do sono e da noite que vai redopiando no ar a sua foice.
Nem vale a pena contar: os seios incapazes de amamentar crianças da África Subsariana, os hectares de mata derrubados anualmente nas Rodônias deste mundo, as intoxicações por mercúrios que saiem das mãos pobres dos garimpeiros da Indonésia e Amazónia, as emissões de gases com efeito de estufa dos G7, os desvios dos rios do norte para cultivar laranjas nos desertos do sul da Península Ibérica e os lagos eutrofizados da América do Norte, para percebermos que os incontáveis números locais traduzem uma imprevisível agonia global.
Sobre o globo voará cada vez mais areia de desertos, dando a parecer que o vento está animado de um propósito próprio: o de querer entupir os narizes empertigados daqueles que pensam que o seu ar é único e exclusivo. O ar é o elo físico que une todos os povos do mundo e todas os seres da Terra.
Este tempo que se confunde com aquele outro, é de mudança, tendendo preocupantemente para a escrita de outro romance, com outras personagens que não as actuais, e também não será, a história dos filhos que hão-de vir.
Neste palco da vida não vale a pena vocifrar “cobras e lagartos” porque estes não tem culpa de lhes prepararmos os espaços predilectos.
E andamos nós por aí, não a dar de comer a quem tem fome, nem a dar de beber a quem tem sede, mas a produzir excessivamente para enterrar e a contaminar o líquido da vida em nome das endeusadas regras do mercado.
Precisamos colocar anúncios em todos os jornais pedindo por regras racionais, mas também do coração, capazes de combater atempadamente a desertificação, e por consequência, a fome dos nossos filhos e netos.
Félix Rodrigues
Angra do Heroísmo
Açores - Portugal
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Clique no link para assistir ao vídeo sobre a seca na maior área alagada do mundo, o Patanal, no Mato Grosso.
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